Contestasom apresenta Cinedebate, 5ª Edição: ZUZU ANGEL (2006), de Sergio Rezende.


Contestasom apresenta Cinedebate, 5ª Edição: ZUZU ANGEL (2006), de Sergio Rezende. Quinta-feira, 04 de Abril, 15h30, Sala Multimeios 3, IFG – Câmpus Anápolis.

Trailer:

“Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar

Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar

Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar…”

Chico Buarque, “Angélica” (1981)

Assista ao clipe:

Página do evento: https://www.facebook.com/events/2345156605713819/

 

VÍDEOS:

ARQUIVO N – GLOBO NEWS (2006)

REDE TVT

RAIO-X DA REVOLUÇÃO CULTURAL TROPICALISTA

No ano de 1968, o disco Tropicália ou Panis et Circencis surgiu em meio a uma sociedade com o cenário político turbulento. O disco foi um posicionamento não só artístico, mas também político dos então chamados “tropicalistas”. Reuniu todos os elementos do movimento Tropicalista em uma só obra, oque lhe deu uma conotação de “disco manifesto”.

Antes de tudo, vale relembrar como surgiu o epíteto “tropicalismo”. Em um almoço de domingo entre amigos, Caetano Veloso estava apresentando sua nova música quando o fotógrafo Luiz Carlos Barreto viu uma semelhança da música com a instalação “Tropicália” de Hélio Oiticica. Luiz sugeriu o mesmo nome para a música, que realmente veio a se chamar “Tropicália” e foi um dos marcos iniciais do movimento. Caetano, porém, hesitou em aceitar a alcunha “Tropicalismo”, com receio de que a estética se tornasse uma moda qualquer, mas com o tempo o nome ficou cada vez mais atribuído ao movimento emergente. Foi então que o jornalistas Nelson Motta fez um texto apresentando o Tropicalismo para a mídia e o público.

“Burgueses, subintelectuais, e cretinos de toda espécie a pregar Tropicalismo”, dizia Oiticica, apontando que o movimento havia se tornado “moda”.

O Tropicalismo estava cada vez mais enraizado entre a juventude brasileira da década de 60, mas ninguém sabia de forma concreta do que realmente se tratava o movimento. Toda aquela subjetividade artística do movimento e aquela sociedade tradicional e opressora, pedia indiretamente uma manifestação e um posicionamento mais explícito dos artistas que seguiam a estética tropicalista. Diante dessas “exigências”, houve uma reflexão (por parte dos artistas) sobre oque era de fato aquela estética que afrontava todos os padrões artísticos, políticos e comportamentais vigentes. Dessa reflexão nasceu o disco manifesto Tropicália ou Panis et Circencis, que marcou a história da música popular brasileira.

Referências presentes no disco 

Uma das características do Tropicalismo é o antropofagismo, que é explícito nas produções e está visível logo na capa do álbum Tropicália, cuja fotografia faz referência à capa de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Também quiseram remeter de forma irônica às tradicionais fotos de família.

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Disco clássico dos Beatles lançado em 1967: “Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band”
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Exemplo de uma foto de família tradicional que inspirou a capa do álbum manifesto da Tropicália

Buscaram referências musicais em grandes bandas de rock que estavam em alta no cenário musical internacional, como The Beatles, The Rolling Stones, Pink Floyd, Jimi Hendrix, The Doors e vários outros. Inseriram a guitarra elétrica na vasta lista de instrumentos que utilizavam, oque gerou controvérsias e até uma manifestação (marcha contra a guitarra elétrica), pois a guitarra representava o imperialismo norte-americano. E mais os tropicalistas tornaram-se também referência de artistas como David Byrne (Talking Heads), Kurt Cobain (Nirvana) e Beck Hansen (Beck).

 

Quem estava na capa do disco ?

Na capa do disco cada artista está fazendo referência a algum elemento socio-cultural:

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  • Os Mutantes: ( Rita Lee, Sérgio Dias e Arnaldo Baptista) estão ao fundo, representam o rock, que estava cada vez mais inserido nacionalmente. Arnaldo Baptista empunha um baixo e Sérgio Dias empunha uma guitarra elétrica.
  • Ao lado de Sérgio está Tom Zé, segurando uma mala, representando um retirante nordestino. Nordeste foi a região de onde vieram a grande maioria dos Tropicalista, mais especificamente da Bahia.
  • Entre Rita Lee e Arnaldo está Caetano Veloso, segurando um retrato de Nara Leão, pois ela não pôde ir. A ideia de colocar os retratos foi de Gil.
  • Gal Costa está com um penteado modesto sentada ao lado de Torquato Neto. Representam o casal recatado do interior.
  • Gilberto Gil aparece sentado no chão de toga com cores vibrantes, segurando um retrato da formatura do curso normal de Capinam, pois ele também não pôde ir.
  • E por último Duprat aparece como um intelectual, segurando um penico, fazendo referência ao polêmico mictório de Marcel Duschamp. A simples presença de Duprat já fazia parte da ideia do Tropicalismo: o nosense, a provocação.

 

Principais artistas do movimento 

O movimento teve uma vida curta em decorrência da vigência do AI-5, que censurou a produção artística e exilou dois dos maiores representantes do tropicalismo: Gilberto Gil e Caetano Veloso, dificultando a divulgação das músicas por parte dos integrantes que permaneceram no país. Por seu curto período, o movimento não teve uma grande parcela de artistas, mas os mais notáveis são:

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Os Mutantes, que foram uma banda paulista formada em 1966 pelo baixista Arnaldo Baptista, por seu irmão, o guitarrista Sérgio Dias e pela cantora e compositora Rita Lee.  O envolvimento da banda com o Tropicalismo foi em 1967, quando foram convidados para acompanhar Gilberto Gil na apresentação da canção “Domingo no Parque”, no III Festival de MPB da TV Record.

Com o entusiasmo do trio, a guitarra de Sérgio, o baixo de Arnaldo, a voz de Rita e os arranjos de Rogério Duprat, o som e a performance dos Mutantes tornaram-se uma das mais marcantes essências do Tropicalismo.

Foram um grande nome do rock de vanguarda dos anos 60, participando de diversos trabalhos como:

“Tropicália ou Panis et Circencis” (1968),

“A banda tropicalista do Duprat” (1968),

“Gilberto Gil” (1968),

“Caetano Veloso” (1968).

Lançaram 3 álbuns entre 1968 e 1970 com Rogério Duprat. Participaram também do episódio da apresentação de ‘’É proibido proibir”, onde Caetano Veloso foi vaiado pela plateia, no III Festival Internacional da Canção, da TV Globo.

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Em 1970 concorreram no V Festival Internacional da Canção, com a música “Ando meio desligado”, um dos maiores sucessos da banda.                                                      Em 1971 lançaram “Jardim elétrico”, e em 1972 lançaram “Os Mutantes no país dos Baurets”, ambos fiéis ao espírito Tropicalista.

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Ainda em 1972 Rita Lee lançou “Hoje é o primeiro dia do resto das nossas vidas”, e em seguida foi convidada a se retirar do grupo, seguindo carreira solo. A banda durou até 1977 com várias formações e apenas Sérgio como fundador.                                                                      Em 2005 os irmãos retomaram a banda com Zélia Duncan, mas atualmente a banda conta apenas com Sérgio Dias da formação original e tem como vocalista Esméria Bulgari.

 

Resultado de imagem para gil 3 festival de mpb Gilberto Gil cresceu no sertão da Bahia, seu pai era médico e a mãe professora. Formou-se em administração, porém mostrava interesse pela música desde cedo, tendo influência de Luiz Gonzaga.

Em 1963 lançou um compacto “Gilberto Gil- sua música, sua interpretação”, que marcou sua trajetória de sucesso na MPB. Porém foi em 1967 com seu primeiro LP  “Louvação” que ele lançou novas sonoridades e se consolidou.

Ficou em segundo lugar no III Festival de MPB da Record, com a música “Domingo no parque” de sua autoria. Essa apresentação foi um dos episódios que marcaram a popularização do Tropicalismo e também foi quando os Mutantes alcançaram grande sucesso. Gil foi nomeado Ministro da Cultura no mandato do presidente Lula epermaneceu no cargo entre os anos de 2003 e 2008.

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Caetano Veloso nasceu na Bahia. Em 1960 cursava filosofia na UFBA, onde conheceu outros artistas que teriam papel importante em sua carreira. Em 1964, ainda na Bahia, participou do show “Nós por exemplo”, que inaugurava o Teatro Vila Velha, ao lado de Tom Zé, Gal Costa, Gil, Maria Bethânia e outros artistas. Em 1967 lançou seu primeiro LP “Domingo”, com Gal Costa e apresentou “Alegria, alegria” no III Festival de MPB da TV Record. Após vários shows foi reprimido pela censura imposta pelo AI-5 e foi exilado 1969, juntamente com Gilberto Gil, indo para Londres, onde gravou 2 discos, retornando ao Brasil em 1972, com um novo visual e uma nova estética musical.

Em 1973 lançou “Araçá azul” um disco experimental que foi recorde de devoluções por parte do público. Em 1993 lançou com Gil “Tropicália 2”, um disco de comemoração aos 25 anos do movimento. Em 1997 lançou “Verdade Tropical”, um livro de recordações sobre o Tropicalismo.

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Tom Zé nasceu também na Bahia. Estudou música na UFBA, período em que compôs canções com teor satírico e político. Foi para São Paulo, e lá deu sua verdadeira contribuição ao Tropicalismo com composições críticas e irônicas.            Em 1968 venceu o IV Festival de MPB da TV Record, com a música “São São Paulo”.      Teve um certa impopularidade na década de 80, pois estava renovando constantemente seus trabalho, numa inquietação criativa. Foi quando David Byrn, líder dos Talking Heads o “descobriu” e lançou-o nos EUA e na Europa, fazendo com que Tom ascendesse novamente, dessa vez no cenário internacional.

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Rogério Duprat era carioca, mas se radicou em São Paulo e lá tornou-se regente e compositor. Na década de 60 foi estudar na França, e quando retornou ao Brasil lecionou na Universidade de Brasília e compôs trilhas de cinema, recebendo vários prêmios.

Duprat se aproximou da MPB, pois segundo ele, estava “cansado de compor para uma pequena elite”. Isso foi algo libertador, pois era um compositor de formação erudita atuando na música popular.

Duprat atuou diretamente no Tropicalismo, pois foi responsável pelos arranjos da maioria dos discos do movimento.

A participação de Duprat representa bem a proposta do Tropicalismo, que é a hibridez, a fusão dos gêneros musicais. É a mistura e a reformulação das várias formas artísticas em uma só obra.

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“A banda tropicalista do Duprat” foi o disco solo do maestro, lançado em 1968, mesmo ano do álbum Tropicália. O disco trazia releitura de músicas de Tom Jobim, John Lennon e Paul McCartney e tinha participação dos Mutantes.                          Era composto por uma infinidade de gêneros juntos, passando de uma marchinha de carnaval para um rock entre uma faixa e outra.  O álbum não teve grande sucesso comercial, porém não perdeu prestígio dentro do movimento. Foi um dos trabalhos que mais representou oque era o Tropicalismo, com toda a hibridez, antropofagia, experimentação, ambiguidade e riqueza de elementos presentes no movimento.                                                                            Duprat teve um fim trágico, e talvez até romântico, tendo que se afastar da carreira musical na década de 70 pois estava perdendo a audição e morreu em 2006, em decorrência de Alzheimer e câncer na bexiga.

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Torquato Neto foi um letrista, poeta e jornalista piauiense. Seu trabalho mais notável para o Tropicalismo foi a letra de “Geleia geral”.  Sua carreira não foi tão extensa, pois suicidou-se em 1972 aos 28 anos, após se tratar contra o alcoolismo e ter passado por problemas psiquiátricos.

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José Carlos Capinam foi um letrista e poeta baiano. Mudou-se para São Paulo em 1963 e começou a compor e trabalhar como publicitário.

Em 1967 venceu o III Festival de MPB de TV Record, com a música “Ponteio”, em parceria com Edu Lobo.  Foi um importante compositor do Tropicalismo, tendo escrito “Soy loco por ti, América” e “Miserere Nobis”, música que inicia o álbum Tropicália.

 

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Nara Leão era gaúcha. Na década de 60, ganhou o epíteto de “Musa da Bossa Nova”, pois era uma das maiores cantoras do estilo na época.   Também participou do Espetáculo Opinião, que foi uma peça manifesto produzida pelo Centro Popular de Cultura em 1964.

Em 1966 venceu o II Festival de MPB da TV Record com “A Banda”, de Chico Buarque. Passou a ser vista como uma intérprete das músicas de Chico, e por isso causou surpresa quando aderiu ao Tropicalismo.

Em 1972 participou do filme “Quando o carnaval chegar” com Chico e Maria Bethânia. Morreu em 1989 aos 47 anos, vítima de um câncer no cérebro.

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Gal Costa é baiana. Participou do show “Nós, por exemplo”, em 1964. Estreou em 1967 juntamente com Caetano no disco “Domingo”.                                                    Um dos maiores clássicos do movimento, que está presente no disco Tropicália , “Baby”, foi interpretado por ela.                Liderou a resistência do movimento Tropicalista no Brasil quando Gil e Caetano foram exilados.

A ação destes artistas representou uma revolução cultural e estética que inspirou gerações, apesar do curto período de existência desse movimento, hoje reconhecido mundo afora por sua criatividade ousada.

Aulão do Contestasom: “Ditadura Civil-Militar Brasileira: o AI nº 05 (1968)” (IFG Anápolis, 18 de Setembro)

Nesta terça (18/09), no Instituto Federal de Goiás – Câmpus Anápolis, nós do grupo Contestasom, acompanhados pelo professor Jacques Elias de Carvalho, vamos compartilhar conhecimento e informação no Aulão “Ditadura Civil-Militar Brasileira: o AI nº 05 (1968)”. Estão todos convidados!

SINOPSE – 50 anos depois, o ano de 1968 continua bastante emblemático. No mundo todo, grandes acontecimentos históricos marcaram aquele ano: a mobilização estudantil e a greve de 10 milhões de trabalhadores em Maio na França; o massacre que precedeu as Olimpíadas do México; a mobilização contra a Guerra do Vietnã nos EUA; a invasão soviética da Tchecoeslováquia que encerrou a Primavera de Praga. No Brasil, 1968 foi o ano em que o regime militar, através do AI-5 promulgado em dezembro, entrou nos anos de chumbo, com intensificação da brutalidade repressiva. Nesse aulão, conheça um pouco dos eventos que agitaram o ano de 1968: em Março, o assassinato do secundarista Edson Luís no Calabouço e a comoção pública que se seguiu a isso; em Junho, a Sexta-Feira Sangrenta e a resposta a ela com a Passeata dos 100 Mil; no segundo semestre, a Batalha da Maria Antônia, entre estudantes da USP e da Mackenzie, e o XXX Congresso da UNE em Ibiúna, que foi impedido de acontecer pelos militares. Nos embates entre movimento estudantil e ditadura militar, o ano de 1968 encaminhou-se, com muita tensão e violência, para o “golpe dentro do golpe” que tornou o regime nascido do golpe de 1964 ainda mais brutal e impiedoso. Neste aulão, conheça mais sobre estas páginas intensas de nossa História.

* * * *

COM A PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES-PESQUISADORES:

  • Gabriel Victor de Castro Chaveiro
  • Glauciene Marcella Batista Reis
  • Rafael Martins de Oliveira
  • Thailane Santos Moura

Arte do Contestasom por Claudsom

PROJETO DE PESQUISA: CONTESTASOM – Censura à Música durante as Ditaduras no Brasil

Outdoor

APRESENTAÇÃO & JUSTIFICATIVA

Muitas vezes já foi dito e repetido: “Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”. Na certeza de que a investigação e o estudo sobre o nosso passado é imprescindível para que não voltemos a cometer velhos equívocos, criamos o grupo de pesquisa Contestasom, projeto que foca sua atenção nas músicas brasileiras que sofreram censura durante dois períodos históricos em que estavam vigentes no país regimes autoritários e ditatoriais: o Estado Novo da Era Vargas (1937 – 1945) e a Ditadura Civil-Militar (1964 – 1985).

Uma significativa nota publicada pelos membros da Comissão Nacional da Verdade, em Março de 2014, no marco histórico dos 50 anos do golpe de 1964, destacava: “82 milhões de brasileiros nasceram sob o regime democrático (após 1985). Mais de 80% da população brasileira nasceu depois do golpe militar (após 1964). O Brasil que se confronta com o trágico legado de 64, passados 50 anos, é literalmente outro. O país se renovou, progrediu e busca redefinir o seu lugar no concerto das nações democráticas. Não há por que hesitar em incorporar a esta marcha para adiante a revisão de seu passado e a reparação das injustiças cometidas.” (CNV: Vol. 1, 2014)

Após 30 meses de trabalhos, entre os anos de 2012 e 2014, a CNV publicou seu relatório final, em 3 volumes, onde também demonstrou “preocupação com o ensino de história e promoção dos direitos humanos nas escolas, estabelecendo seus parâmetros educacionais” (BAUER: 2017, p. 212), em que recomenda-se que “sejam incluídos, nas disciplinas em que couberem, conteúdos que contemplem a história política recente do país e incentivem o respeito à democracia, à institucionalidade constitucional, aos direitos humanos e à diversidade cultural.” (Relatório da CNV, v. 1, p. 970).

Compartilhamos desta apreciação que destaca a importância, para as gerações atuais e vindouras, do aprendizado com a história do país, aí inclusas as manifestações culturais e artísticas de nosso povo, em uma perspectiva de denúncia do autoritarismo e da ditadura que violaram os direitos humanos e amordaçaram a diversidade cultural no Brasil. Visando propiciar aos alunos envolvidos neste projeto de pesquisa um contato aprofundado com o passado ditatorial brasileiro, acreditamos que possamos contribuir para a elucidação e o esclarecimento da realidade histórica em que vivemos atualmente e oferecer avanços significativos no que diz respeito a uma pedagogia marcada pela criticidade e pela análise aprofundada das conjunturas e problemáticas em questão.

A música popular sempre teve um papel fundamental na cultura brasileira e é possível abordá-la através de um enfoque transdisciplinar. Nosso grupo trabalha na perspectiva de que é preciso analisar a obra de arte tanto em sua forma e conteúdo, o que torna propícios os saberes das áreas como Letras, Linguística e Semiótica, quanto a conjuntura social, política, econômica e cultural em que se insere, o que também torna indispensável uma interface com os conhecimentos da Sociologia, da Economia, da Ciência Política, da História Sócio-Cultural etc.

Esta pesquisa visa esclarecer questões pertinentes, assim formuladas por José D’Assunção Barros: “De que forma essas duas ditaduras procuraram exercer domínio sobre a Música, e que formas de resistência essa mesma Música encontrou para resistir aos poderes instituídos, cumprindo, através de alguns compositores mais engajados, a missão de enfrentar o poder estatal concretizado nos mecanismos repressores da Censura? Como se deu, no contexto da repressão, a possibilidade dos compositores desenvolverem uma crítica social arguta de modo a contribuir para uma maior conscientização social que, a seu tempo, foi fundamental para a própria possibilidade de superação de cada um desses regimes de exceção?” (BARROS: apud Moby, p. 10)

O grupo de pesquisa irá de debruçar não apenas sobre a produção musical que foi censurada nos tempos de repressão, mas no próprio contexto histórico onde as canções foram vetadas, de maneira a elucidar as similitudes e diferenças entre estes dois períodos de autoritarismo explícito do Estado brasileiro. O pesquisador Alberto Moby, em seu livro Sinal Fechado, aponta importantes caminhos a seguir:

“As conjunturas, apesar das muitas semelhanças, comportam também inúmeras diferenças, dentre as quais destaco o estágio dos meios de comunicação de massas nos anos 30-40 e o grande avanço que sofreram nos anos 70 do século passado. Por outro lado, é imprescindível nos remetermos ao quadro político internacional, da Segunda Guerra Mundial, no primeiro caso, e da ampla hegemonia norte-americana, difusora da Guerra Fria e da ideologia da segurança nacional, no segundo.” (SILVA, p. 34)

Como exemplos das conjunturas sócio-históricas que iremos investigar a fundo, cabe mencionar que o Estado Novo Varguista colocava seu trabalhismo como dogma inescapável e todos os sujeitos sociais que fossem considerados improdutivos eram estigmatizados como “vagabundos”, e criminalizáveis enquanto tal. No emblemático samba “Bonde de São Januário”, de Wilson Batista, o compositor tratava de um protagonista descrito como “sócio otário” que viaja no Bonde, indo ao trabalho. E depois o sambista fazia alarde de sua “gandaia” cantando: “só eu não vou trabalhar”. O DIP determinou que a letra fosse modificada: “sócio otário” deveria ser substituída por “operário”, e “só eu não vou trabalhar” por “sou eu que vou trabalhar”.

Havia, portanto, uma tendência do Estado Novo a proibir todo conteúdo cultural considerado como violador do valor ético das ações produtivas no mundo do trabalho, em detrimento das práticas estigmatizadas como inúteis e improdutivas, de modo que a censura incidia sobretudo contra canções que faziam apologia da boemia, da preguiça, da gandaia, da “vida de artista” (para lembrar uma música de Itamar Assumpção) em contraste com a vida do trabalhador. Teixeira Coelho foi ao cerne do problema ao dizer:
“para a direita sempre interessou o controle do prazer em benefício da produtividade capaz de gerar sempre lucros e mais lucros. Pretende-se sempre fazer crer que o trabalho dignifica, que o trabalho é o veículo da ascensão, que o trabalho é a salvação… Nesse quadro pintado pela direita, o prazer – sob sua forma diminuída: a diversão – só é admitido esporadicamente (feriados, férias) e mesmo assim apenas como elemento reforçador do trabalho (na medida em que recompõe as forças do trabalhador, permitindo a continuidade da exploração destas.” (COELHO, 1988, p. 14).

Já a Ditadura civil-militar instaurada pelo Golpe de 1964 irá praticar a censura contra artistas tidos como subversivos ou transgressores, com destaque para Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gonzaguinha, Taiguara, dentre muitos outros. Canções emblemáticas da época, como “Cálice” (de Gil e Chico), “Para Não Dizer Que Não Falei de Flores” (de Geraldo Vandré) e “Menino” (de Milton Nascimento) são capazes de revelar elementos essenciais do tempo histórico e da ação dos artistas diante do Estado ditatorial.

Através da pesquisa sobre estas músicas, iremos revelar detalhes sobre um Brasil que, por 21 anos, esteve imerso nas trevas da tortura, dos desaparecimentos, dos exílios e da censura aos meios de comunicação e às artes.

É preciso também destacar que as canções em questão estão envolvidas em um sistema produtivo, a indústria do álbum musical, que é marcada pelas mutações das tecnologias de áudio, de modo que, se na Era Vargas há ampla hegemonia do meio de comunicação rádio, na Ditadura dos anos 1960 e 1970 vemos a entrada massiva no cenário dos LPs e das fitas K7: “entre 1967 e 1980, a venda de toca-discos cresce em 813%. A indústria do disco cresceu, em faturamento, entre 1970 e 1976, em 1.375%. Ao mesmo tempo, a venda de discos, no mesmo período, aumento de 25 milhões de unidades para 66 milhões de unidades por ano. A produção de fitas cassete, uma novidade no Brasil, cresceu de 1 milhão, em 1972, para 8,5 milhões em 1979.” (SILVA, p. 48).

Neste momento histórico onde estamos há exatos 50 anos desde o ano emblemático de 1968, esta pesquisa visa trazer à tona este passado submerso, parcialmente esquecido, ou mesmo nunca de fato apropriado como conhecimento pelas novas gerações, sobre a produção cultural naqueles períodos conturbados. A redescoberta das histórias por trás dessas canções, além do próprio poder estético e comunicacional das obras, pode revelar o potencial crítico e transformador de nossa produção artística. No contexto da Ditadura pós AI-5, como argumenta Frederico Coelho em seu livro Eu, Brasileiro, Confesso Minha Culpa Meu Pecado, a música popular foi capaz de articular e debater tópicos importantíssimos de nossa vivência social:

“Temas como banditismo, armas de fogo, enfrentamentos armados entre policiais e estudantes, desagregação de valores da classe média brasileira, grupos marginalizados da sociedade, entre outros, passam a fazer parte do universo temático das canções tropicalistas a partir da segunda metade de 1968. Canções como “Enquanto Seu Lobo Não Vem” (Caetano Veloso), “Divino Maravilhoso” (Caetano e Gilberto Gil), “É Proibido Proibir” (Caetano), “Marginália II” (Torquato e Gil) ou “Deus vos salve esta casa santa” (Torquato e Caetano) eram emblemáticas para esse momento de radicalização. São canções que tratam de ‘bombas’ e de ‘botas’, de não ter tempo para ‘temer a morte’, das pichações dos jovens de maio de 1968 em Paris, de ‘pânico e glória’ e de ‘laço e cadeia’.” (COELHO: 2010, p. 116)

No que diz respeito à atualidade do tema central deste projeto de pesquisa, destacamos que há em 2018 o marco histórico dos 50 anos desde o ano emblemático de 1968, onde o mundo estava convulsionado por grandes eventos sócio-políticos, como as greves e manifestações de Maio em Paris, o massacre que precedeu o início das Olimpíadas do México e o conflito conhecido como Primavera de Praga (com a invasão soviética da Tchecoeslováquia). No Brasil, o ano é marcado, em Março, pelo assassinato do estudante secundarista Edson Luis, pela Marcha dos Cem Mil que se seguiu a isso, e, no fim de 1968, pela promulgação do AI-5, pelo regime Costa e Silva, que instauraria uma ditadura linha dura e inauguraria os chamados “anos de chumbo”.

Meio século depois, é urgente e necessário relembrar os eventos daqueles tempos, e julgamos que a contribuição pode ser imensa se tomarmos as músicas censuradas como fio condutor para que possamos refletir coletivamente sobre a importância essencial de uma sociedade democrática, que respeite os direitos humanos, a liberdade de expressão e a diversidade cultural.

MATERIAL E METODOLOGIA

Pela natureza desta pesquisa, que lida com a produção cultural no Brasil em períodos ditatoriais, os materiais a serem analisados são tanto os produtos culturais em si mesmos (isto é, as canções, os álbuns, os shows dos artistas-compositores em questão), quanto a produção acadêmica e documental sobre eles (o que inclui produções audiovisuais, livros historiográficos, teses nas áreas de antropologia cultural, filosofia da arte, performances culturais, jornalismo de cultura etc.)

Ainda que o tema da pesquisa especifique que, no amplo âmbito das artes, interessa-nos sobretudo a música, é preciso frisar que raramente a música aparece desvinculada das outras expressões artísticas, de modo que deve ser privilegiado um modus operandi que conecte a produção musical com aquela do cinema, do teatro, da literatura etc.

A necessidade incontornável de um método que explore a música como parcela integrante de um complexo cultural mais amplo pode ser ilustrada por dois exemplos: um dos mais célebres casos de censura durante a Ditadura Militar (1964 – 1985) foi Roda Viva, peça escrita por Chico Buarque de Hollanda, encenada pelo Teatro Oficina, com direção do José Celso Martinez Côrrea, exemplar da confluência entre Música e Artes Cênicas; já os criadores da Tropicália, entre eles Caetano Veloso e Gilberto Gil, jamais esconderam o impacto que teve sobre seus ideários estéticos e políticos, ou seja, para a gênese do movimento tropicalista, a fruição de obras cinematográficas, como Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe de Glauber Rocha, além de performances no âmbito das artes visuais e performáticas, como aquelas de Hélio Oiticica.

Jamais se compreenderá a censura contra Chico Buarque focando apenas em sua produção musical, já que também suas obras teatrais – como Calabar, Gota D’Água e o supracitado Roda Viva – sofreram com os vetos do regime. Similarmente, a Tropicália, que foi “abatida em pleno vôo pelo AI-5”, como diz Tárik de Souza, não estabelecia a música como seu único espaço de expressão.

Na capa do disco manifesto “Tropicalia ou Panis et Circenses”, é explícita a confluência entre a cultura popular (de que Tom Zé e Gilberto Gil eram inventivos representantes) e a cultura mais erudita (ali representada pelo maestro Rogério Duprat, que na capa do álbum parece tomar chá em um penico, o que é referência à obra de Marcel Duchamp). Ali também está clara a confluência entre a literatura e a música, com a presença do poeta e jornalista Torquato Neto (também um dos mais brilhantes letristas de nossa MPB) e do poeta José Carlos Capinam (representado em fotografia emoldurada que seu parceiro Gil carrega como porta-estandarte).

A pesquisa terá como materiais a serem investigados: jornais e revistas da época; acervos digitais disponíveis na Internet; visitas guiadas a instituições dedicadas à conservação da memória sócio-cultural brasileira (como o Arquivo Nacional de Brasília); obras escritas por críticos musicais, jornalistas, historiadores, artistas; documentários e filmes de ficção produzidos sobre as épocas históricas em questão.

Pesquisadores como Ridenti e Moby, dentre outros, já vem se dedicando a investigações similares nos últimos anos, utilizando uma metodologia em que se unem disciplinas em colaboração, como a sociologia, a história do Brasil, a crítica de arte, a historiografia cultural, e até mesmo o campo da Economia e do Direito (aí inclusos os pensadores do tema Direitos Humanos, tal como Celso Lafer e Pedro Serrano).

Nossa metodologia será inter-disciplinar, pois a pesquisa utiliza-se de conhecimentos da História, mas também necessita mobilizar conceitos que remetem à análise crítica dos aparelhos midiáticos de massa e da Indústria Cultural a eles conexa – análises fornecidas em correntes acadêmicas díspares como a Teoria Crítica Frankfurtiana (Adorno, Horkheimer, Marcuse, Benjamin) e a Midialogia (criação do pensador francês Régis Débray).

Os materiais a nossa disposição são vastos e justificam os esforços de uma equipe de pesquisa: todo um amplo campo acadêmico concorda, como diz Ridenti, que “a censura foi o principal mecanismo repressor no mundo artístico, que sofreu ainda processos judiciais, episódios de tortura, exílio forçado e até mesmo assassinato, como o de Heleny Guariba” e que a “ditadura baseou-se em leis para justificar seus atos censórios” (RIDENTI: 2014, o. 333). O mesmo autor frisa algo importantíssimo para a determinação dos métodos e materiais desta pesquisa, pois aponta para a enorme magnitude dos mecanismos estatais mobilizados para censurar e sublinha o quanto são necessários esforços multidisciplinares para um correto conhecimento da produção musical censurada nas épocas históricas em estudo:

“O trabalho dos censores exigia uma considerável organização burocrática no âmbito do Ministério da Justiça e da Polícia Federal. Por exemplo, o relatório da Divisão de Censura de Diversões Públicas do ano de 1978 indicava que havia 45 técnicos de censura, além de 36 servidores lotados na parte administrativa, que foram responsáveis naquele ano pelo exame de 2648 peças de teatro, 9.553 filmes (longas e curtas-metragens), 1996 capítulos de telenovela, 86 programas de TV, 859 capítulos de radionovelas, 167 programas radiofônicos, 47475 letras de canções… Para se ter uma ideia da abrangência da censura, foram proibidos naquele ano de 1978: 79 peças de teatro, 24 filmes, 462 letras musicais… Apreenderam-se 226.641 exemplares de livros e 9494 de revistas, entre outros resultados da produtividade do trabalho da Divisão de Censura de Diversões Públicas.” (RIDENTI: 2014, p. 333)

Dada a magnitude e a diversidade das obras censuradas, cremos justificada uma metodologia que seja multi-disciplinar, atenta à leitura das conjunturas sócio-históricas, e que não deixe nunca de lado uma análise da própria experiência estética envolvida no contato do cidadão com as canções em questão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUER, Caroline Silveira. Como Será o Passado? História, Historiadores e a Comissão Nacional da Verdade. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2017.

COELHO, Frederico. Eu, Brasileiro, Confesso Minha Culpa e Meu Pecado – Cultura Marginal no Brasil das Décadas de 1960 e 1970. Civilização Brasileira & Paz e Terra, 2010, p. 116.

COELHO, Teixeira. O Que é Indústria Cultural. 11ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 14.

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE – Relatório da CNV, 2014, v. 1.

RIDENTI, Marcelo. Em Busca do Povo Brasileiro – Artistas da Revolução, do CPC à Era da TV. Ed. Unesp, 2014.

SILVA, Alberto Moby Ribeiro. Sinal Fechado: Música Popular Brasileira Sob Censura (1934-45 / 1969-78). Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.

SOUZA, Tárik. Tem Mais Samba – Das Raízes à Eletrônica. Ed. 34, 2010.

CONTESTASOM – Música e Censura na Ditadura Civil-Militar Brasileira (1964 – 1985): Caso #1 – Luiz Gonzaga Jr (Gonzaguinha)

COMPORTAMENTO GERAL 

Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: “Muito obrigado”
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal

E um Fuscão no juízo final
Você merece, você merece

E diploma de bem comportado
Você merece, você merece

Esqueça que está desempregado
Você merece, você merece

Tudo vai bem, tudo legal

“Luiz Gonzaga Júnior, o Gonzaguinha, não foi melhor nem pior do que o pai; foi muito diferente. Primeiro, com seu estilo agressivo, foi um dos compositores mais perseguidos pela ditadura. Depois, com a democratização, se consagrou como um grande compositor de sucessos românticos. Não é fácil ser filho de Luiz Gonzaga e fazer uma carreira musical de sucesso. Com o pai na estrada, Gonzaguinha foi criado pelos padrinhos e fez sua primeira música aos 14 anos. Começou profissionalmente em 1968, brilhando ao lado de Ivan Lins e Aldir Blanc nos festivais universitários e, depois, no programa Som Livre Exportação, da TV Globo. Nos anos 1980, Gonzaguinha teve mais de 50 músicas censuradas e ganhou fama de agressivo e mal humorado.”

Nelson Motta, em sua coluna no Jornal da Globo

“No início de 1973, foi convidado a cantar ‘Comportamento Geral’ no Programa Flávio Cavalcanti – um apresentador polêmico que, há anos, divertia-se em quebrar discos num quadro intitulado Um Instante Maestro. A gravação era um compacto simples que mofava nas lojas desde novembro do ano anterior. (…) No programa em que viu seu disco ser quebrado diante das câmeras, Gonzaguinha saiu do anonimato. (…) Era um moleque, inclusive diante da censura. Mas não achou de todo mal alimentar, para o público, esse seu lado ácido, crítico, e decidiu explorar a imagem de um homem sério e consciente, principalmente diante da política e das questões sociais. Para ele, música não deveria ser feita para divertir ou servir de fundo para uma conversa — ‘música é para fazer pensar’. (…) Diziam que Gonzaguinha era pessoa difícil. E ele perguntava: — Mas e a vida? A vida é fácil? O mundo, as pessoas são fáceis?”

Dácio Malta, no artigo “Obrigado, Flávio Cavalcanti”, publicado em “1973: O Ano Que Reinventou a MPB”, de Célio Albuquerque, de 2013

Via Memórias da Ditadura


Um dos melhores livros sobre o tema é Sinal Fechado – A MPB Sob Censura (Rio de Janeiro: Ed. Apicuri, 2008m 226 pgs) , de Alberto Moby Ribeiro da Silva, lembra que Gonzaguinha, pedia em suas apresentações que o público transmitisse a existência de suas músicas de boca em boca como única forma de ter seu trabalho conhecido. Desde que se negara a, junto com Ivan Lins, ser tragado pela máquina, Gonzaguinha entrou para o rol dos malditos.” (p. 130)

Quando lançou “Compartamento Geral”, em 1973, no programa Flávio Cavalcanti, Gonzaguinha despertou uma acirrada polêmica. “Como era de se esperar, a canção logo foi proibida em todo o território nacional e Gonzaguinha ‘convidado’ a prestar esclarecimentos no DOPS. Seria a primeira entre muitas visitas do compositor. Depois disso, para gravar seus 2 primeiros LPs, com um total de 18 músicas, Gonzaguinha submeteu 72 à Censura. Luiz Gonzaga Jr (1974) e Plano de Vôo (1975) eram a demonstração das preocupações sociais e políticas de Gonzaguinha com os rumos que a nação tomava, e apesar da perseguição da Censura, nunca deixou de divulgar seu trabalho e exprimir suas opiniões.” (p. 131)

SIGA VIAGEM, ASSISTA:
Gonzaga, de Pai para Filho
Um filme Breno Silveira

 

O FILME QUE CONTA COMO FOI O EXÍLIO DE CAETANO E GIL DURANTE A DITADURA: “Canções do Exílio: A Labareda que Lambeu Tudo” (2011) – Um documentário de Geneton Moraes Neto

Canções do Exílio: A Labareda que Lambeu Tudo

Canções do Exílio: A Labareda que Lambeu Tudo (2011),
Diretor: Geneton Moraes Neto, Duração: 1h 31min
DOWNLOAD TORRENT (1.3 gb)

 

Documentário de Geneton Moraes Neto conta a saga de Caetano e Gil no exílio forçado pela ditadura militar – Por João Máximo em O Globo (07/02/2011)

Duas semanas depois da decretação do AI-5 e dois dias depois do Natal de 1968, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos por oficiais do Exército. Como jamais souberam o motivo, admite-se que possa ter sido pela participação em passeatas, ou em movimentos estudantis, ou por suas nada convencionais performances em festivais, ou ainda por suas atitudes de rebeldes tropicalistas, que tanto incomodavam civis e militares. Os dois passaram por celas de vários quartéis do Rio, depois ficaram em prisão domiciliar em Salvador, e só em julho de 69, com uma advertência de três estrelas – “Só voltem quando forem autorizados” -, partiram para um exílio forçado que se estenderia por dois anos e meio, até janeiro de 1972.

Mautner e Macalé participam

Os detalhes dessa história, contados pelos dois personagens, já seriam motivo para Geneton Moraes Neto realizar “As canções do exílio – Uma labareda que lambeu tudo”, documentário em três partes de 50 minutos cada, que o Canal Brasil exibiu. Mas há pelo menos mais um motivo: Geneton inspirou-se na foto em que, aos 15 anos, aparece entrevistando Caetano para o “Diário de Pernambuco”, e a partir dela se entregou ao que considera uma guinada profissional. Tendo começado a vida como jornalista e caído na TV quase por acaso, esses anos todos ele deixou de lado o que realmente queria fazer: cinema documental.

– Este é o meu rompimento amigável com o jornalismo e a retomada da carreira de cineasta interrompida pela TV – diz Geneton, antecipando que os 150 minutos da série serão reduzidos a 120 para os cinemas.

Na produção, e também na edição do filme, ele contou com a parceria de Jorge Mansur, cujos modernos recursos tecnológicos viabilizaram uma empreitada que, na era pré-digital, seria financeiramente inviável.

Caetano e Gil – mais Jorge Mautner e Jards Macalé, que, por diversos caminhos, foram se encontrar com os amigos no exílio – contam a história cronologicamente. A detenção, o ano-novo passado atrás das grades, os tempos de prisão domiciliar, a proibição de fazer shows e gravar discos, a vinda ao Rio de um chefe de polícia de Salvador para mostrar aos superiores o absurdo da situação. Graças a isso, foi dada autorização (ou ordem) para que saíssem do país. A fim de que os dois conseguissem dinheiro para a viagem, os militares permitiram que fizessem dois shows em Salvador.

Permissões como esta, em tom de favor, fazem da história um retrato do Brasil da época, mistura surrealista de brutalidade com cordialidade. Um episódio narrado por Gil é exemplar: os mesmos homens que o prendiam sem motivo arranjaram-lhe um violão e ainda pediram que fizesse um show para os soldados do quartel. Outro oficial, generosamente, ajudou-o em sua dieta vegetariana.

– Se eu fosse antropólogo ou sociólogo, poderia escrever, partindo deste documentário, um tratado sobre a alma brasileira – diz Geneton.

Pelos depoimentos, constata-se que o exílio foi menos doloroso para os outros do que para Caetano. Gil, por exemplo, admite ter “caído na gandaia”, frequentando a noite londrina sem pensar tanto no que ficara para trás. Já para Caetano, a palavra depressão pontua algumas das passagens de sua narrativa. Mas, no homem que lembra, e não no que viveu, há lugar para humor, como suas discussões com Glauber Rocha. E palavras afetuosas, como as que dedica a Violeta Arraes (“Ainda a adoro, vou adorá-la sempre”), a mulher que abria o coração aos exilados que a procuravam em Paris.

Deprimido, Caetano chegou ao Rio para o que esperava ser um reencontro feliz: autorizaram-no a participar da festa dos 40 anos de casamento de seus pais. Logo ao desembarcar, foi preso e levado para um depoimento de seis horas, cujo objetivo era tão somente pressioná-lo a fazer uma canção enaltecendo a Transamazônica. Negativo. Só concordou com duas apresentações na TV, quando, em vez de cantar algo a alegre, pop, como supunham ele ter trazido de Londres, reviveu a triste “Adeus, batucada”.

Callado, futebol e Chico

Gil guarda detalhes de sua prisão e, mais ainda, do exílio: o apoio que o escritor Antônio Callado lhe deu no cárcere ao vê-lo de cabeça raspada; a criação de “Aquele abraço”; como “Can’t find my way home” virou sua canção de exílio; as palavras “Rivelino Revelation” pintadas nos muros de Chelsea no dia seguinte à vitória do Brasil sobre a Inglaterra em 1970 (torcer ou não pelo Brasil de Médici era a questão, resolvida pela paixão maior pelo futebol). Gil conta, ainda, como escreveu com Chico Buarque a proibida “Cálice” (ou “Cale-se”), já de volta a um país ainda sem liberdade.

Caetano fala do medo de morrer e da certeza de que matar, mesmo, os militares só queriam o Geraldo Vandré. E de como prefere não passar recibo da informação que os policiais lhe deram sobre quem eram seus “colaboradores”.

As histórias são muitas e se desenrolam depois de a atriz Lorena da Silva lembrar trechos de crônicas de Caetano para o “Pasquim” e de Paulo César Peréio dizer um texto de Geneton sobre seu projeto.

Jorge Mautner, que foi dos Estados Unidos para a Inglaterra ao encontro dos amigos, tem de tudo uma visão mais filosófica. E, mais que tudo, positiva. Acreditava e ainda acredita que o futuro está no Brasil. Dizendo-se “filho do Holocausto criado no candomblé”, não esquece o pai judeu para quem toda a cultura europeia acabou em campos de concentração. “Isso aqui é o Brasil”, bradava o velho Mautner.

Jards Macalé viajou a convite de Caetano para ajudá-lo no que seria o LP “Transa”. Vêm dele as únicas referências à relação do grupo com as drogas, já que, sabidamente, todos, menos Caetano, recorreram a elas nos tempos de exílio. Foi sob a ação de LSD que Macalé, em visita ao museu de Madame Tussaud, apaixonou-se por uma Branca de Neve de cera. Não fosse o guarda, teria matado o desejo ali mesmo: “Ainda hoje sinto saudades daquela Branca de Neve.” É dele o subtítulo de “Canções do exílio”. Ao retornar ao Rio, vindo do inverno britânico, sentiu uma forte calor entrar pela porta do avião adentro, como “uma labareda que lambeu tudo”.

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MATÉRIA DO JORNAL THE GUARDIAN



P.S. – Como já dizia o sábio Spinoza: “Que coisa pior pode imaginar-se para um Estado que serem mandados para o exílio como indesejáveis homens honestos, só porque pensam de maneira diferente e não sabem dissimular? Haverá algo mais pernicioso, repito, do que considerar inimigos e condenar à morte homens que não praticaram outro crime ou ação criticável senão pensar livremente?” Via NADLER, Steven. Um Livro Forjado No Inferno – O Tratado escandaloso de Espinosa e o nascimento da era secularTrês Estrelas, p. 258.